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COF como materialização da boa-fé objetiva e função social dos contratos de franquia.

Como bem explicado pelo ministro Gilmar Mendes, o contrato de franquia “é uma unidade, um plexo de obrigações contrapostas que inclui diferentes atividades. Não é apenas cessão de uso de marca, tampouco uma relação de assistência técnica ou transferência de know-how ou segredo de indústria. O contrato de franquia forma-se de umas e outras atividades, reunidas num só negócio jurídico”.

 

Com propriedade, o ministro do STF descreve, em apertada síntese, o que a doutrina nacional e internacional nos ensina sobre contrato de franquias.

 

É uma junção de contratos diversos. São eles o contrato de “know-how” e “management”, que garantem que o franqueador transferirá aos franqueados o conhecimento técnico para operacionalizar o estabelecimento empresarial, bem como os processos e protocolos internos e o “modo operacional” da rede.

 

Além daqueles, integram os contratos de franquia a obrigação de fornecimento, marketing, engineering e licença de uso de marca.

 

Trata-se, portanto, de um contrato empresarial sinalagmático, porquanto de um lado o franqueado paga taxas e royalties, de outro lado a empresa franqueadora tem o dever de entregar a marca, o know-how, os processos de management, o marketing, a assistência técnica e ainda fornecer os produtos.

 

É nítida, portanto, a função social desse contrato: o franqueado adquire a franquia para constituir uma empresa e aproveitar do know-how prévio do franqueador e da sua marca.

 

Desse modo, é imprescindível que a franqueadora seja detentora desse conhecimento, desse segredo industrial.

 

As taxas de franquia servem, inclusive, para a aquisição desse know-how.

 

E para que o franqueado possa tomar a decisão entre comprar ou não uma franquia, ele receberá uma Circular de Oferta de Franquia, acompanhada por diversos documentos capazes de comprovar a existência prévia desse know-how.

 

Ou seja, é através das informações prestadas na COF e nas informações prestadas na fase de pontuação que o franqueado decide assinar ou não o contrato de franquia. Essas informações devem observar as obrigações anexas à boa-fé objetiva, principalmente no que diz respeito ao dever de informar lealmente sobre o know-how detido.

 

Em outras palavras, podemos afirmar que a COF é a exteriorização dos princípios da função social dos contratos e da boa-fé objetiva, juntamente com todas as informações prestadas na fase de pontuação contratual.

 

Pois são as informações extraídas nessa fase que perfazem a vontade contratual do candidato ou candidata à franquia.

 

A COF, cumprindo a seu papel de exteriorizar os deveres anexos da boa-fé objetiva e, consequentemente, materializar a função social, trará equivalência material entre os contratantes.

a) intrínseco – o contrato visto como relação jurídica entre as partes negociais, impondo-se o respeito à lealdade negocial e à boa-fé objetiva, buscando-se uma equivalência material entre os contratantes;[1]

 

Desse modo, é imprescindível que todas as informações passadas na fase de pontuação, quer seja via COF ou através de outros documentos, deverá corresponder sempre à verdade quanto ao know-how do franqueador, sob pena de nulidade do contrato de franquia.

 

A lei 1.966/2019, em seu artigo 4º, traz a norma quanto à nulidade dos contratos de franquia celebrados sob erro. Erro este que pode ser sobre a função social, a boa-fé objetiva ou que recaia sobre o objeto do contrato, tornando o erro substancial, agora quanto ao seu objeto.

 

Art. 2º, § 2º  Na hipótese de não cumprimento do disposto no § 1º, o franqueado poderá arguir anulabilidade ou nulidade, conforme o caso, e exigir a devolução de todas e quaisquer quantias já pagas ao franqueador, ou a terceiros por este indicados, a título de filiação ou de royalties, corrigidas monetariamente.

Art. 4º  Aplica-se ao franqueador que omitir informações exigidas por lei ou veicular informações falsas na Circular de Oferta de Franquia a sanção prevista no § 2º do art. 2º desta Lei, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.[2]

Esse dispositivo cumpre, tão somente, reforçar as normas previstas nos artigos 166, incisos V, artigo 138, incisos I, II e III, artigos 421 e 421-A, inciso II.

O desembargador Alexandre Lazarinni materializou muito bem todos esses itens e obrigações em seu voto, colacionado abaixo:

 

“A relevância da COF deve-se ao fato de que esse tipo de contrato, aliás, pressupõe uma série de avaliações dos riscos, resultados e condições estipuladas, que são de conhecimento da franqueadora; ou seja, conhecimento que deve ser transferido e compartilhado com o franqueado. Verifica-se que já na circular de oferta de franquia, a ré omitiu informações sobre sua situação financeira (balancetes), bem como da existência de outros franqueados, tolhendo o direito do autor de buscá-los para assegurar-se da viabilidade do negócio, informações necessárias para a adequada avaliação, pelo franqueado, do risco a ser assumido. Observa-se que a ausência de tais dados foi objeto de queixa de todos os franqueados incluídos pela franqueadora no grupo de Whatsapp. É importante lembrar, nesse diapasão, que um dos deveres laterais ou anexos de conduta impostos pelo princípio da boa-fé objetiva é justamente o de cooperação para que o outro contratante possa cumprir suas obrigações e exercer regularmente suas atividades, o que não se observa por parte da franqueadora”[3]

 

Em suma, é necessário que a franqueadora seja detentora do know-how e que também exprima, em toda a fase de pontuação (inclusive através da COF) somente a verdade sobre se negócio e o conhecimento abarcado.

Se a franqueadora mente com a intenção de vender uma unidade, sem observar a boa-fé objetiva e seus deveres anexos, infringirá outro princípio basilar, que é a função social dos contratos.


O resultado é que a vontade tornou-se viciada, e a sinalagma é nula de pleno direito por erro substancial, reproduzido fielmente na lei 13.966/2019.


[1] Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil - Contratos - v. 4 (Portuguese Edition) (p. 109). Editora Saraiva. Edição do Kindle.

[2] Lei 13.966/2019.

[3] TJSP; Apelação Cível 1029405-53.2021.8.26.0576; Relator (a): Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São José do Rio Preto - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/10/2022; Data de Registro: 25/10/2022.


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Lucas Costa - Advogado, professor, consultor e franqueado.
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